quarta-feira, 27 de junho de 2018

Cântico

Cântico dos cânticos,
Vindo da solidão.

Ela não me beijará,
Pois não há beijos nas bocas
E vinho em abundância
Sevicia o amor.

Nenhum óleo,
Nem mesmo olhos são bons,
Nem percorrem meu colo
Num amar entre jovens.

Imperativo: arrasta-me!
Supliquei que corresse
E, rei, conduzisse-me ao seu quarto
Para gozarmos e regozijarmos
O vinho seviciante
Do amor dos amantes.

Se és negro de beleza rara,
Filho da cidade cinza,
Sou como as ruínas augustas
De um bar inconsolável.

Renegaram-me e renegam-me
Pois sou acinzentado.
Foram as fuligens que deram piche,
Guardando automobilísticas impossibilidades:
Nem na vida avancei.

Conte-me se há uma amada
Para mi'alma malamada,
Reservada em escanteio,
Escondida na sombra do meio-dia!
Quero ser o homem ao léu,
Aguardando que se me tirem o véu
E me podem como um carneiro.

Se não houver,
Direi a mim mesmo:
Sois o mais belo dos sozinhos,
Vai-te embora escrever poemas ao relento,
No pomar, na chuva e ao vento,
Junta-te ao remanso dos ascetas.

Mas quero amar e comparar
U'a mulher com o palácio da alvorada.

Pô-la-ia com os pingentes mais ricos,
E nos colos, colgemas e poemas.

Brincos de penas, num novo ambulante
Compraria e dar-lhe-ia com sorriso prateado.

Uma moça mimada,
Minha amada seria.
Durma em meu ombro, ventre.

Um cacho de frutas,
Paixão é para mim
Natureza morta entre os cacos das ruas.

Minha amiga não é bela,
Revoa como pomba quando me achego.

Nem belo, nem amado,
Sei ser meigo
Sonhando com um leito de ramos frescos.

Quero encher de cidra nossos corpos,
Deita-te em minha cama como cipreste.

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