domingo, 29 de janeiro de 2017

σκιάς όναρ άνθρωπος

a Joaozinho Gomes

O homem é sonho de uma sombra,

Zumbi, que zomba, em tempo inteiro,
Soçobrando; Feito morteiro,
em veste de alfambra, o homem morre.

O homem nem lembra - e foi penúria,

Passou o tempo, sem passear,
pestanejando, e em um piscar
Foi pra Coimbra, fazer um corre...
E não socorre! Virou penumbra,
Virou pesar.

O homem morre.

Não tem saída. O homem
Morre. Como o poema,
Como o poeta, que quer comer
Este verso de Píndaro.

(E tenta se salvar com aquele que não se salvou

Da morte)

O homem é puro corte,

Pura coorte.
Pura sorte de uma sombra
Que pode sonhar.

Esta sombra sonha que é um homem,

E o homem, que assombra a sombra,
Lembra:
O homem é sonho de uma sombra
Até a penumbra o enlevar.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O Último Riso

Foi-se a noite correndo adentro
No deslize puro das horas,
"Ainda é cedo?"; ah, me acaloras
A angústia em que me desventro.

Qual seria o epicentro
Do tremor que me acometera?
Seria trevas passageira
Ou solidão onde reentro? 

Não contentou-se com quem eu fora,
Sempre quiseste: não sejas tu,
Pois  nosso amor jogaste fora,

Lânguido, louco e nu.
Escrevo o oposto ao nosso amor,
Da dor ao riso; adeus, minha flor.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Perdi Camões

Perdi Camões nas dobras do meu quarto
E a escansão do nosso amor, perdi.
O amor solene, o amor que era farto,
Insuspeitado, morreu qual dândi.

Do drama dele, este poema é parto

E a despedida de quem te partiste,
Pois já não sei se sou eu que enfarto,
Ou é solidão o que me atingiste.

Perdi Camões e perdi a ti,

Fui te perdendo na perda dele,
Já não recordo da tua pele,

E ainda menos dos bons que vi,

Pois o tormento no qual me vejo,
Faz-me querer lançar-me no Tejo.

Inelutável

Foi do ventre que te vi pela primeira vez
O pescoço arqueei, e admirei a tua beleza,
Doce senhora tão dona de mim.

Lambi-te o desespero e a fria insegurança,
E era ainda criança quando te vi por inteiro.

Em minha adolescência:
Tristeza -
Pouco te vi.
Perdido que estava em outras mulheres,
Tão quentes, vividas e donas de si.

Foi quando adulto me fiz,
E encontrei-te com teu senhor,
Que passa como um corredor,
Seguro, mestre como os Sufis.

Misteriosa e lívida moça
Como uma rês, sinto-me
por reencontrar-te,
Das que rumam para o abate,
Tão sujas, alegres, felizes.

Pois como na Górgia retórica,
Há sempre o inevitável,
Helena inenarrável
Também foi levada por si.

Oh Musa das noites febris,
Oh Dama dos homens servis,
Amo-te e temo-te de um modo inelutável.

És como um temporal,
És a sorte.
És sútil, és viril, és brutal,
És sempre o destino final,
És meu medo, és, Tu, Morte.



terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Nosso amor e o mundo


Como falar deste amor
Num mundo tão tresloucado
Que se comete um pecado
Num hino em teu louvor?

Como não falar do amor
em um mundo em tal estado,
Se apenas em ti atado
E amado, não sou ator?

Se arranco de ti o gozo
E todo meu corpo espreita,
O mundo não se ajeita?

Afeito, eu te azeito,
Numa rima esperançosa.
Que morra e nasça rosa!