segunda-feira, 22 de junho de 2015

A vida é por um fio

A vida é por um fio, amigo,
O enterro de uma dama
No cio, no frio de um aterro
- E não adianta nenhum desespero!

O que adianta se hoje teve riso e choro,
Se teve riscos ou loas, lágrimas e saliva?
Nada salva, nada é calma, nada é cura.
A vida é comida que se come crua.
Salmo cantado por um demônio
Que embusteiro, cheirando a amônia,
Te agarra de quatro e te dá um cheiro.

Um segundo, um barulho,uma bala,
O silêncio, o grito, a boca cala:
Meus nervos arrancados e espalhados,
meu corpo estendido no duro asfalto.

- Cavalinhos andando,
Cavalões comendo,
O motoqueiro atirando,
Meu coração parando,
Meu coração morrendo,
Tanta gente sorrindo,
Tanta gente trepando,
Tanta gente ficando,
Tudo ainda vai indo... -


Atrás de mim apenas tudo o que não fui.
Apenas meus fluídos e os sonhos que acumulei.
E tudo o que fruí, o corpo de quem amei?
Apenas longínqua memória que já virou estória,
Pois o metal estourou meus miolos com afinco!

Nada mais é importante, que alívio!
Talvez se tudo fosse como uma música sertaneja...

A vida é algo fácil
A vida é algo frágil
A vida é algo... Podridão!

Solidão no miolo temporão sente a pobre bala,
Penetrando-me a têmpora e o tempo
(Até então inesgotável, promessa do infinito),
Entristece-se por nada saber daquele a quem mata.


Sofreu com Carlos Drummond?
Leu Raymond Aron?
Cataclisma! Tuberculose!
Qual Bandeira levantou?
Nenhuma, só foi estrela de vida inteira!

Num instante todos os meus tormentos
Caídos na calçada: o sexo, o líquido,o caos,
Todo o ódio acumulado...

Agora nem com tango argentino, amigo,
Me dê uma dose de Nova Mpb,
Misture com um pouco de fado
Liberta-me todo o enfado
Pois não voltarei a viver!

Olha, sou eu ali no chão!
Aquele cão, aquele rato desprezível,
Sujo e maltrapilho,
Feio... Só... Apenas um rude fragmento de ser...
Traga o copo, traga a caneta, traga todos os médiuns,
Falta-me o último pedido!

- Logo eu, tão falsamente ateu, tão ridiculamente frágil,
Por que eu?! - pergunta-me o meu dedão no estribilho,
Absoluta falta de sentido e punição!
Logo eu, inexistente? 
Logo eu, espírito ardente?

Falta-me o último pedido!
Da próxima vez me mate melhor:
Com um copo na mão,
Um beijo ardido, um colchão,
Ao som de Belchior.