A vida é por um fio,
amigo,
O enterro de uma dama
No cio, no frio de um aterro
- E não adianta nenhum
desespero!
O que adianta se hoje
teve riso e choro,
Se teve riscos ou loas,
lágrimas e saliva?
Nada salva, nada é
calma, nada é cura.
A vida é comida que se
come crua.
Salmo cantado por um
demônio
Que embusteiro, cheirando a amônia,
Te agarra de quatro e te dá um cheiro.
Um segundo, um
barulho,uma bala,
O silêncio, o grito, a boca cala:
Meus nervos arrancados e espalhados,
meu corpo estendido no
duro asfalto.
- Cavalinhos andando,
Cavalões comendo,
O motoqueiro atirando,
Meu coração parando,
Meu coração morrendo,
Tanta gente sorrindo,
Tanta gente trepando,
Tanta gente ficando,
Tudo ainda vai indo...
-
Atrás de mim apenas
tudo o que não fui.
Apenas meus fluídos e
os sonhos que acumulei.
E tudo o que fruí, o
corpo de quem amei?
Apenas longínqua
memória que já virou estória,
Pois o metal estourou
meus miolos com afinco!
Nada mais é
importante, que alívio!
Talvez se tudo fosse
como uma música sertaneja...
A vida é algo fácil
A vida é algo frágil
A vida é algo...
Podridão!
Solidão no miolo
temporão sente a pobre bala,
Penetrando-me a têmpora
e o tempo
(Até então
inesgotável, promessa do infinito),
Entristece-se por nada
saber daquele a quem mata.
Sofreu com Carlos
Drummond?
Leu Raymond Aron?
Cataclisma!
Tuberculose!
Qual Bandeira levantou?
Nenhuma, só foi
estrela de vida inteira!
Num instante todos os
meus tormentos
Caídos na calçada: o
sexo, o líquido,o caos,
Todo o ódio
acumulado...
Agora nem com tango
argentino, amigo,
Me dê uma dose de Nova
Mpb,
Misture com um pouco de
fado
Liberta-me todo o
enfado
Pois não voltarei a
viver!
Olha, sou eu ali no
chão!
Aquele cão, aquele
rato desprezível,
Sujo e maltrapilho,
Feio... Só... Apenas
um rude fragmento de ser...
Traga o copo, traga a
caneta, traga todos os médiuns,
Falta-me o último
pedido!
- Logo eu, tão
falsamente ateu, tão ridiculamente frágil,
Por que eu?! - pergunta-me o meu dedão no estribilho,
Absoluta falta de sentido e punição!
Logo eu, inexistente?
Logo eu, espírito ardente?
Falta-me o último
pedido!
Da próxima vez me mate
melhor:
Com um copo na mão,
Um beijo ardido, um
colchão,
Ao som de Belchior.