terça-feira, 3 de novembro de 2015

Paris

                                                                                                "Paris! Paris!                                                                      
Rêve de tous les brésiliens                                            
(excepté celui qui fait ces piètres petits vers libres)"
Carlos Drummond de Andrade, em Improptu.


Enquanto as flores entram em Paris pela avenida elísia
os caminhos de Roma a Lutécia escondem destroços
ossos, carcaças, parcas, sujeira e violações.
Entrar em Paris, mas por qual caminho?
Para Paris há duas rotas, há dois lados.

Um lado das Mesdames.
De longe elas vêm para casar
ou para encontrar diversões nas compras da Capital sorridente.
Seus maridos, ou filhos, ou simplesmente homens,
vêm a Paris para ver a Tour
e as pernas morenas das meninas do terceiro mundo
que ficam esperando na Bois de Boulogne
por seu tesão de infelicidade.
A tensão feliz que possibilita que a outra Paris possa existir.
Quanta bondade!

No outro lado, a Paris encrespada,
dos negros e das putas,
e dos árabes assimilados.
Dizem amém em latim nas igrejas do quartier latin
enquanto seus avós torcem pelo Estado Islâmico
e para que o Rafale do mesmo árabe
que poderia ser seu filho
seja bombardeado por um árabe (ou Berber)
que grita glória a Deus
- e também poderia ser seu filho.

Abro guias de viagem falando sobre Paris.
Cidade-luz, pernas nas bicicletas, homens bonachões
Onde quero encontrar alegria
só vejo a mesma imagem suja da minha terra natal.

- A Europa nos ensinou a sujeira
e vive querendo nos ensinar como limpar.
Seus homens lambuzam-se e regozijam-se
Da cana tomada, da grana importada e da morena.
Sim, a morena eles lambuzam e se deleitam.
E, por absurdo, que podridão!,
Propagandeiam a devassidão
De uma terra que eles mesmo devastaram -

Paris, Paris, tu és tão torpe quanto minha São Paulo,
Só tem mais desfaçatez, querida...



O assombro

Encontro na rua o poeta
Amargo, soturno e ateu;
"Para onde fostes, alegria?!"
( murmura com tal agonia )
e a rua espelha em covardia,
Ai, deus,o poeta sou eu!

domingo, 25 de outubro de 2015

Florir

Amor é fruto que se colhe maduro
Após um longo tempo semeado
Seu nutriente, corpo maltratado,
Suavemente, tratado com descuro,

Vivendo longos tempos altercados,
Tenaz noite, viver tão inseguro,
Quando beijos vazios se dão cansados,
Quando camas se deitam em perjúrio;

Após todo esse ardor,
O amor luz e aperta o passo,
Espreita, pronto a punir

Todo aquele que, espicaço,
Maltratou um outro amor,

Já maduro e a florir.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A vida é por um fio

A vida é por um fio, amigo,
O enterro de uma dama
No cio, no frio de um aterro
- E não adianta nenhum desespero!

O que adianta se hoje teve riso e choro,
Se teve riscos ou loas, lágrimas e saliva?
Nada salva, nada é calma, nada é cura.
A vida é comida que se come crua.
Salmo cantado por um demônio
Que embusteiro, cheirando a amônia,
Te agarra de quatro e te dá um cheiro.

Um segundo, um barulho,uma bala,
O silêncio, o grito, a boca cala:
Meus nervos arrancados e espalhados,
meu corpo estendido no duro asfalto.

- Cavalinhos andando,
Cavalões comendo,
O motoqueiro atirando,
Meu coração parando,
Meu coração morrendo,
Tanta gente sorrindo,
Tanta gente trepando,
Tanta gente ficando,
Tudo ainda vai indo... -


Atrás de mim apenas tudo o que não fui.
Apenas meus fluídos e os sonhos que acumulei.
E tudo o que fruí, o corpo de quem amei?
Apenas longínqua memória que já virou estória,
Pois o metal estourou meus miolos com afinco!

Nada mais é importante, que alívio!
Talvez se tudo fosse como uma música sertaneja...

A vida é algo fácil
A vida é algo frágil
A vida é algo... Podridão!

Solidão no miolo temporão sente a pobre bala,
Penetrando-me a têmpora e o tempo
(Até então inesgotável, promessa do infinito),
Entristece-se por nada saber daquele a quem mata.


Sofreu com Carlos Drummond?
Leu Raymond Aron?
Cataclisma! Tuberculose!
Qual Bandeira levantou?
Nenhuma, só foi estrela de vida inteira!

Num instante todos os meus tormentos
Caídos na calçada: o sexo, o líquido,o caos,
Todo o ódio acumulado...

Agora nem com tango argentino, amigo,
Me dê uma dose de Nova Mpb,
Misture com um pouco de fado
Liberta-me todo o enfado
Pois não voltarei a viver!

Olha, sou eu ali no chão!
Aquele cão, aquele rato desprezível,
Sujo e maltrapilho,
Feio... Só... Apenas um rude fragmento de ser...
Traga o copo, traga a caneta, traga todos os médiuns,
Falta-me o último pedido!

- Logo eu, tão falsamente ateu, tão ridiculamente frágil,
Por que eu?! - pergunta-me o meu dedão no estribilho,
Absoluta falta de sentido e punição!
Logo eu, inexistente? 
Logo eu, espírito ardente?

Falta-me o último pedido!
Da próxima vez me mate melhor:
Com um copo na mão,
Um beijo ardido, um colchão,
Ao som de Belchior.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Poema para rezar em voz alta

Prólogo:

Não tive nada na vida.
Da boca, apenas a culpa.
Soluço; proponho a saída:
um belo gole de cicuta!

Desenvolvimento:

Na boca mora o teu olho,
Vigia toda a minha entranha.
Estranho, castanho, restolho,
Oh, Deus, que vida tacanha!

Cintila o brilho sentinela,
punindo meu peito ateu,
minha vida não arma tranela
pr'um olho atento, o Teu.

Fez-me um autor de protestos?
Fez-me um ator de demandas?
Tua voz - não escuto!  mas mandas,
deitado no céu - o meu teto.

Fez-me um leitor de processos?
Dá-me um vigor ouriçado!
Se houvesse ao passado acesso,
um novo e mais belo traçado:

Seria um homem do campo,
louvando a bela Marília,
mas o belo campo é mentira,
e Marília nunca viu um santo.

Ah, Deus, todo dia medíocre,
rasteiro, horrível, sovina,
maldosa, ladina e malina,
minha alma é suja e ocre.

Le silence eternel de l'espace
me assusta e Tu nada respondes.
Corajosos, dizem-me, tua face
Paradise e que Tu te escondes.

Eu aposto na Tua presença,
mas não sou um bom apostador.
Em todas as apostas da vida:
Só souffrance, tédio e dor.


Solução provisória:

Se nós somos sós,
Se não temos voz,
Se só somos seus,
Se não somos Vós,
Se não somos, Deus,
Por que devo crer em Ti?
Se somos só morte...
E adeus?

domingo, 10 de maio de 2015

Tuberculose

Toda bandeira que ergo
Porta a tuberculose,
Como o nobre mancebo
Dela porta o mesmo nome.

Perdura nos meus duros dias,
Ataca a insuficiência.
A morta me come atenta
E insufla minha poesia.

Eu crio uma teogonia,
Produzo uma bela mulher,
Que me ama e foi sempre mia
Como minha angustia me quer.

Gero meus deuzinhos miudos,
Produzo os mais rudes profetas,
Com o punho em riste os saúdo,
Depois meu escárnio os afeta.

Refaço meu breve traçado,
Revivo o tempo vadio,
Viver é a luta do fado,
Viver é o brio no vazio.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Selfie da sua Cidade ( Define a sua Cidade)

" De dois ff se compõe
Esta cidade a meu ver,
Um furtar, outro Foder."
-  Gregório de Matos

Como gregório nos disse um dia
Agregam dois ff a sua Bahia:
Um é furtar, outro foder,
Letra normal, sem surpreender;
Não entreviu os novos bandeirantes
Dessa velha terra já tão alquebrada
 E se não bastassem os pobres delirantes
Somam um f a toda empreitada:
Ff e f e mais um celular:
Furtam e fodem, a fotografar.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Ao Presente

À tristeza, maldita chaga,
Que nos afaga, lançando ao chão.
Aos renegados e aos sem saga,
Revolta e envolta, a solidão.

Ao corpo frio na terra seca,
Tudo o que lembra a imensidão,
Tudo o que é vil ao que peca.
Menos a falta e a doação.

Tantas meninas, tantas mensagens,
Tantas tristezas e vais e vens:
O desperdício da alegria.

Tanto de corpo jaz consumido,
Tanta esperança num já assíduo,
Tempo de fé e apatia.

Corpos Dados Sem Amor


Que lembrança trará a vida do autor,
Qual trilha virá da linha do texto,
Se o dado que aninha o texto é sexo
E o corpo da gente exige o amor?


Promete o céu e a terra.
Pantera faz um escarcéu:
língua lá na alta esfera,
concha, lua e aluguel.

Gente feita sem amar
Corpos frios, imensidão,
Beijos beijam sem beijar,
Corpos castos que se dão.

Querendo riso e piedade,
Murmúrio, entrega, gratidão,
Veio gemido e vaidade,
Ventre, vai, fluído, altercação.

Quando percebe: oh, maldade!
Palavra impura e tão rasteira,
Vazio do após a incastidade
Vazio durando a vida inteira.

É sempre no passado o orgasmo,
escreveu um dia o bem-dizente,
pois no corpo só resta o espasmo
que dificulta o amor presente.