terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Aforismo

Algo me assombra toda vez que vejo um novo monumento erguido mais de mil pés sobre a minha cabeça. A última vez que isto ocorreu foi num passeio noturno - e solitário - pela paulista. Em épocas anteriores, as criações arquitetônicas monumentais, em sua maioria, estavam umbilicalmente ligadas à religião, de maneira que as pirâmides, as igrejas, etc. funcionavam como elementos de um rito que trouxesse unidade a uma comunidade qualquer. Hoje, observando os monumentos contemporâneos, conseguimos observar como o imperativo do capital substitui até mesmo a significação unitária do mito religioso. Constroem-se imensos prédios, shoppings e até Trade Centers, entulhando até a boca de simbolismos e otras cositas más, pedaços de concretos mortos e insignificantes que reproduzem ampliadamente a própria reificação. Eis mais um aspecto do Capitalismo como religião: essa unidade imposta de fora, esse conformar-se a algo que não somos, essa impossibilidade do próprio belo artístico pleno - e consciente - de sentido, é a própria morte do medo da morte. E quando se não tem medo da morte, nada a diferencia desta nossa vida medíocre, controlada e docilizada.

poucas coisas


poucas coisas

ofereço

ao espetáculo da vida

                               Uma feroz inquietação

                                        um encanto na ferida

                               um canto

                                        uma bebida


a ela
                               uma noite mal dormida

                                        meu dorso, meu pulso

                               minha cartilagem carcomida

a ele
                               um braço, uma ajuda

                                        um sonho, um punho

                               um deus que não nos acuda

poucas coisas

ofereço

ao espetáculo da vida

mas sei que em todas elas

                               deixo minh'alma


                                                          e uma despedida.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

não faço poemas belos

não faço poemas belos
não engrandeço deuses, nem
zombo dos homens
não falo de ninfas, nem comparo
mulheres, musas, afrodite

Acredite em mim!

Meu poema é sujo:
tem terra e sangue e um pouco de
porra do trabalhador solitário.
alimentou-se de pão amanhecido e café requentado e pagou fiado
(até riu da placa de “não aceitamos fiado" que sempre estivera ali)

Acostumado a sofrer,
meu poema é triste e resignado:
patrão, rotina e salário.

Mas não ouse desafiá-lo!
De súbito, pode voltar a falar dos clássicos.
Daí para ti que dormiu César:
ele acordará Spártacus!

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Moça que ainda nem bem conheço

Moça que ainda nem bem conheço
         não seja aquela por quem padeço
seja o meu riso, seja meu berço
         da minha prece, seja meu terço
na minha pressa, seja o apreço
Seja o avesso do avesso do avesso
         Seja meu fim, seja meu verso
Confesso:

Este poema é o adereço
deste nosso estranho começo.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Paixão




Paixão?... Por que me pergunta isso logo agora?... Não vê que estou indo trabalhar?... Não, não faça essa boquinha! Tá bom, paixão é ver essa tua boquinha e querer te tascar um beijo! Não, não é só isso. Paixão é eu estar perdendo o meu horário de trabalho por você! Claro, querida, claro que sou apaixonado por você. Só não sou bom para te dizer em palavras. Paixão é ver essa sua coxa seminua, envolta por este lençol azul da Zêlo, que compramos em 4x no cartão, essa sua coxa imperfeita, azulada pelas pequeninas estrias que a gravidez te causou, e mesmo assim te desejar. Paixão é lembrar do teu aconchego de mãe me ninando, tuas mãos nos meus cabelos, teus seios roçando de leve meu ombro, enquanto sussurava os probleminhas do nosso dia. Nosso filho brigou na escola ao defender um outro menino que era zoado pelos valentões. Nossa filha Andréia, corajosa como seu nome, mentiu para nós e foi dormir na casa do namorado. Como tive orgulho dela, enquanto você reprendia a minha frouxidão de homem. Bem sabe que você sempre foi mais forte do que eu. Talvez tenha sido por isso que me apaixonei. Paixão é admirar a força de uma mulher. Não, meu amor, não acho que seja raro uma mulher ter força! Não é isso! Até nisso me apaixono por você. Até quando me repreende! Sempre achei muito engraçada essa sua dificuldade em aceitar elogios. Você é uma mulher forte! Sei bem admirar isso, pois sempre achei rídicula a postura dos homens em querer ter uma mulher submissa, em manter a mulher submissa, em recusar a emancipação feminina! Mesmo quando fazemos amor, meu amor, nunca te quis submissa. Mesmo quando nos viramos e reviramos e remexemos te quero livre. E isto é paixão! Paixão também é ver você penteando seus cabelos, minha capituzinha, me olhando com estes seus olhos vivos e brilhantes, de mulher sedutora, de mulher que não cansa de seduzir, ah mulher... Me deixa te dar um beijo? Venha cá... Não fuja,querida... Não estou com tempo para os seus joguinhos... Paixão é este meu sorriso desconcertado ao ver você se esconder atrás da cortina do nosso quarto e só deixar a sua testa e seus olhinhos para fora. Você me lembra Teresa, sabia? Sim, aquela do poema do Manuel Bandeira. Meu bem, você bem sabe, eu não creio em deus, por que me pergunta? Preciso de algum motivo para viver? Você é o meu motivo! Os nossos filhos, o Caio, a Andréia... E se... Quando tudo se acabar? Quando tudo se acabar eu já não serei nada! Nem terei motivos para viver! Por que me preocuparia com isso? Que bobagem, menina! Vocês nunca me abandonariam e eu morrerei antes que vocês. Já sou velho. Sim, meu bem, claro que a paixão é mais forte quando se é jovem. Inclusive te peço desculpas por isso, amor, leminski estava certo: os dentes afiados da vida preferem a carne na mais tenra infância. A salmoura do dia a dia nos corrói. Por isso não culpo nossa filhinha! Devemos nos apaixonar quando ainda somos jovens!Por isso, quando o seu namoradinho e ela terminarem, estarei ao seu lado, abraçarei-a e direi para ela aproveitar em muito o momento. Afinal, querida, há quanto tempo não choramos por amor? Não me faça essa cara de desentendida! O quê? Quando chega a noite, chora pensando em nós? Por que? Eu sou apaixonado por você! Tenho a mesma paixão que... hum.... Florentina Ariza! Ou Juvenal Urbino? Não me lembro bem! Não me lembro com qual deles me simpatizei mais, por qual deles chorei mais lendo aquele livro. Lembra quando nós o lemos? Você dizia que era o melhor livro que já tinha lido na sua vida! Eu ainda acho que é! Nunca acreditei quando me disse que, na realidade, o meu livrinho de poemas, aquelezinho que você editou e me deu de presente no meu aniversário, dizendo que era de dia dos namorados também, era o melhor livro que já lera. Mas peguei nas suas mãos e toquei meus lábios nos seus como se aquele momento fosse o meu maior poema! E você, saída de minha boca, minha maior recitação. Sempre insisti que se eu sou poeta, você era poesia. Como adorava o seu esbravejar de menina resmungona dizendo que ser poesia era uma posição passiva, sentimental, às vezes até heróica demais... Você queria mesmo era ser romance beat! Fui eu que te apresentei Ginsberg e Kerouac, lembra? Quis te pegar pelas mãos e te levar pelo mundo! Isso é paixão, queridinha. Paixão é observar você colocando essas suas botas de couro que eu fiz naquela época em que me recusava a comprar qualquer objeto em lojas magazine, pois achava que elas se alimentavam de mão-de-obra escrava. Na verdade, ainda acho! Mas, bem, sabe... O tempo faz e desfaz coisas, muda pessoas, entorpece um pouquinho... Ver você colocando essas botas me lembram da noite em que fomos assaltados juntos na orla da praia do guarujá, lembra? Olharam nossas botas e quase ficaram com pena de nós de tão horríveis que elas eram! Ainda bem que melhorei e caprichei nessa que você está coloc.... Por que você está a guardando na caixa? Queria usá-la uma última vez? O seu perfume está diferente! Não é aquele Natura que eu te dei no natal passado. Como lembro disso? Ué, paixão é lembrar todas as suas minúcias e admirá-la por isso. Paixão é como a relação de Simone de Beauvoir, aquela tão toda toda que você adora! Mas muito se engana se é do amor dela com Sartre que falo. Paixão, querida, é o que Nelson Algren por ela sentia. Ela dizia que o amor lhe dava medo, tornava-a burra. Queria que se um dia a relação de ambos, de Nelson e ela, se acabasse, eles pudessem ser amigos. Ele em um ato apaixonado respondeu que jamais poderia entregar-lhe menos do que o seu amor. Ele nunca perdoou Simone de Beauvoir. Morreu um dia após se irritar numa entrevista quando um repórter lhe perguntou sobre ela. Lembra quando conversamos disso? Eu entendia-o. Você, não. A paixão é o preâmbulo do amor. O amor e a paixão, diferentemente do que muitos dizem, não são distintos em grau. Eu te amo e sou apaixonado por você. Sim, não da mesma forma que antes, pois me acostumei com os seus jeitinhos e apesares. Mas, coração, a paixão é a admiração completa, é ver tuas qualidades e defeitos, enxergando neles, principalmente nos seus defeitos – veja só!- o éden. Sorrio, sim, mas porque sempre que penso nisso, quero ser tua serpente. O amor é a mais radical maneira de ir ao outro, é a duração desconhecida. Aliás, ela deve ter a mesma duração deste tempo em que está olhando nosso retrato juntos, quando estávamos naquela prainha de Ubatuba. Você está linda nesse biquini marron. E eu estou feliz. Mas ambos sabemos que não é raro eu estar assim ao teu lado. Paixão é ver você colocando as coisas no carro e pensar no tempo em que viajávamos juntos para lá e para cá, ouvindo música, você às vezes reclinando sobre os meus ombros, lembra-se que não conseguia encaixar o cd player do meu carro? Era um barato! Me divertia. Paixão é ver você se distanciando e deixando nossa casa vazia. Até nossos filhos levou. Até meu coração. Paixão, percebo agora, é você me perguntar “o que é paixão”? e eu me lembrar que por você sou apaixonado somente ao te responder esta pergunta.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Encontro de Algumas Faces

As estrelas brilhavam e você não via
seria alegria ou apenas arrancavam,
os dedinhos de minhas mãos,
tua atenção, quando te tocavam?

O caminho é louco,
e a vida é tão curta.
Ah, shortinhos que furta
este meu tempo pouco!

Lima, imã, maçã, romã.
Tantos gostos tem tua pele
que quero que me chancele
teu experimentador oficial!

Linda, lindeza de abrolhos!,
lindeza de nada banal,
sabe.. não é bem normal
eu dizer: tu és linda! E, ah, teus olhos...

Encontro-te e me desencontro:
teu rosto é todo danado,
sei que já não posso fugir,
eu te respiro em pecado
e você ainda me mata de rir!
Este poema me marca algum ponto?

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Olhos de ressaca

Esverdeado, teu olhar arranca
como a ressaca do mar
que vai e volta e traga
e nele me faço embrenhar.

Teu nome, tão forte, tão belo,
Rígido e calmo,
um flagelo,
de um triste poeta sonhar.

Conheci-a, nem sei bem por onde...
Não lembro nem a circunstância!
Talvez seja esta a constância
que o teu corpo ainda me esconde.

E ainda que fosse distante,
com tua boca colada a minha,
A mão, tua língua, nossa rinha,
já não seria um só instante.

Se permaneço no seu lembrar breve,
bem disse-me, sempre se lembra,
teu toque, tua luz, tua verve,
o meu coração já desmembra!

Talvez foste só uma moça,
que no meu caminho passou,
mas a tua lingua me adoça,
e só sigo porque já me levou.

A Ilha

Amei-te primeiro em poema,
depois descobri teus heróis.
E foi vendo quem lhe condena
que amei mais teus arrebóis.

A impulsão da história,
parida em teus braços fortes,
nos deu a ilusão da vitória,
perdida em torturas e choques.

Sem folga, num claustro tão teu,
oh seio, oh terra mulata!,
combinando os crentes e ateus,
assustou todo aristocrata.

A “gramna” que cresceu no azul,
e montou e subiu a sierra,
fez brilhar o cruzeiro do sul,
fez tremer todo dono de tierra.

Je suis Fidel a ti
querida irmã, mas sei
Che ancora existem aí
burocratas e decretos-lei.

Defendo-te com sangue e brasas!
Meu corpo cansado e suado
na frente de ianques e caças
é todo teu, é todo armado.

Amo-te com esperanças,
amo-te e minha fé aduba,
amo-te em minhas vinganças,
sonho-te e nada derruba:

se és livre, se és Cuba!

Anatol

 Conheci-o por intermédio de Tolstoi. Era madrugada, daquelas frias, assim costumavam ser nossos encontros. Lembro-me de fragmentos. Intactos. Eu torcia pelo amor doce da moça. O mais puro amor, o amor sublime, o amor longínquo, o amor juvenil, o amor leve, o amor esperançoso, o amor-amor.
Desprezei-o desde o início, tal como desprezo os que como ele são: a altivez, o sentimento de superioridade, a desonestidade, o desrespeito. Talvez não fizesse por mal, talvez fosse até verdadeira a falsidade que jorrava de seus lábios. Lágrimas de uma fonte seca. Porém, a afronta ao doce amor da meiga menina pelo homem imperfeito, o destoar, a quebra do disco, me incomodou. Suava frio, teimava só, discutia comigo, brigava, batia, queimava... Tentava desfazer o que já estava feito: já havia conquistado a moça com sua lábia vazia e enganadora. Lamentei. Só.
Qual foi meu desprazer ao encontrá-lo pela segunda vez tempos depois? Era domingo. Ignoro as circunstâncias, se estava quente, frio, fazia sol ou chuva pouco importa. Eu estava em névoas. Meu corpo destroçado, um empilhar de ossos que meus músculos não mais sustentavam, encarquilhou-se. Minha visão turvou, meu coração gélido teimando em bater – eu torcia para que ele parasse. Não lhe bastava a doce menina, a ele interessavam todas elas: calhou dele gostar do mel de uruçu. Seu rosto só me apareceu depois: o sorriso ignominioso, de deboche prévio, aquela alegria por gerar tristeza. Não serei tão rígido: aposto que estava convencido de que aquilo não fazia mal a ninguém. Sua ignorância o impedia de perceber que suas ações afetavam outras pessoas, que suas torpezas poderiam resultar malefícios. Iludiu-a. Tormentou-me. Sempre estarei em tormentas. A confiança se esvai num tocar de lábios, os lábios sujos de um sorriso vil.
Tropeguei. Não superei. Não superarei. Para ele, os custos foram poucos: um sorriso, frases, clichês. Para nós, a esperança confidencial.

Não o vi uma terceira vez. Nem preciso. Seu retrato está talhado em meu pedregoso coração.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Caminho

Minha visão se estreita
mente aberta, casa afeita,
feito gato me aproximo.

Disto três ou quatro léguas
balançar de suas pernas.
Pouco sei onde me arrimo.

Pode estar perto ou distante,
nem mesmo sei se aqui ou adiante.
Permaneço, me aqueço, me afirmo.

E quando enfim te encontrar,
Nem uma bagata me afastará,
teu corpo inteiro, tudo imagino.

Quando cansado me for deitar,
fausto e farto por te alegrar,
serás o meu sorriso malino.

A te animar em cor de rosa,
em tua coxa tão ardilosa,
o meu suor, teu desatino.

Começará uma história,
tua esperança, minha memória,
num só sorriso que bem preciso.

Fazer-te-ei o meu abrigo,
o meu cantinho, o meu castigo,
tão livre, tão solta, mas tão comigo.

Prazer!

vivo em meus poemas o que não
vivo em vida.
viva em meus poemas
toda a sua angústia
ardida
porque enquanto goza
e corre e trepa
um pobre poeta se estrepa
e te lembra da dor,
mas bem de longe!

Se esta dor já não te afeta,
Prazer! Sou o teu poeta.

Breve razão de poetizar por aqui.


Há sempre um algo novo em todo manifestar. Porém, nem todo manifestar inova. Só faz sentido escrever algo para ser lido quando esse algo sai da esfera do meramente particular para o universal do coletivo. Eu sinto, eu choro, eu gozo, eu sofro, eu quero, sem nem saber ou importar-me com a importância disso para o mundo. No entanto, o intuito de escrever num blog como esse, para além de rasgar-me e expor meus fracassos, é compreender-me. Tudo que escrevo são os meus fracassos. E, tal como Darcy Ribeiro, talvez neles estejam minhas maiores vitórias. Sintam-se em casa, ponham os pés nos sofás e mergulhem nas escrivinhanças deste escritor casmurro e um tanto quanto despojado.

Viva a poesia!