A criança nasceu na
rua
Filha de mãe sem paz
Sua mãe, operária
O seu pai, capataz.
Foi do pavor sem amor
Que nasceu essa menina
Sua mãe gritando:
“não!”
Seu pai, braços de
oficina.
Pequenina sentia
O peso da rejeição.
Em pranto, sua mãe lhe
olhava,
“És um quebranto, és
maldição”.
A solução logo veio!
Correr mundo afora,
Tal fora o seu anseio,
Seria sua desforra!
Desde criança prendada
Nas artes da
malandragem
Rejeitada e maltratada,
Só lhe restava a
pilhagem.
Cortou os cabelos,
Arregaçou as mangas,
Tirou as miçangas,
Manteve os pelos.
Sobreviver não era
fácil,
Mais difícil era
viver,
Sendo uma pobre
menininha,
Então, como fazer?
Quis se tornar homem,
Bruto e mau e feio
Como fora o seu pai que
Às dores das mulheres
Sempre houvera sido
alheio.
Reunindo o seu ódio
Da violência desmedida
Afundou no ópio,
arrancando em partida.
Ópio, pó e crack e
Uma menina tão
meiguinha
Na São Paulo sob
achaque
Ah, tadinha! Tão
sozinha!
Oh, coitada da criança
Que na rua então dormia
Protegida e sem
lembrança
De sua antiga família.
Mal sabia o que passava
Naquelas noites
terríveis
Em que os homens da
bala
Disseram: “não
vivereis!”
Correu até um posto,
Coisas que a vida
ensina,
Esperando ter um gole,
Um gosto, droga
divina.
Depois se recolheu
Ao seu canto escurinho
Junto dos braços
daquele
Em que chorava carinho.
Este, outra criança,
Sem paz, pai ou
esperança,
Sem vida, sentida
ardência
De uma vida que só
cansa.
Este, um menino,
Envolvido com outros
meninos,
Todos ladinos, nem
todos malinos,
Todos malandros, todos
sem pódio,
Que ofereciam à pobre
menina
A sua dose de tédio e
ódio.
Oh, pobre menininha,
Foi na noite, submissa,
Que sentiu o estampido,
Que perfurou o seu
tecido,
Que tornou-a uma
carniça.
Sua culpa, menininha,
Foi ser triste e tão
sozinha
Não ter tido outra
saída
senão morrer em
vida.
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