domingo, 4 de maio de 2014

Balada da Criança

A criança nasceu na rua
Filha de mãe sem paz
Sua mãe, operária
O seu pai, capataz.

Foi do pavor sem amor
Que nasceu essa menina
Sua mãe gritando: “não!”
Seu pai, braços de oficina.

Pequenina sentia
O peso da rejeição.
Em pranto, sua mãe lhe olhava,
“És um quebranto, és maldição”.

A solução logo veio!
Correr mundo afora,
Tal fora o seu anseio,
Seria sua desforra!

Desde criança prendada
Nas artes da malandragem
Rejeitada e maltratada,
Só lhe restava a pilhagem.

Cortou os cabelos,
Arregaçou as mangas,
Tirou as miçangas,
Manteve os pelos.

Sobreviver não era fácil,
Mais difícil era viver,
Sendo uma pobre menininha,
Então, como fazer?

Quis se tornar homem,
Bruto e mau e feio
Como fora o seu pai que
Às dores das mulheres
Sempre houvera sido alheio.

Reunindo o seu ódio
Da violência desmedida
Afundou no ópio,
arrancando em partida.

Ópio, pó e crack e
Uma menina tão meiguinha
Na São Paulo sob achaque
Ah, tadinha! Tão sozinha!

Oh, coitada da criança
Que na rua então dormia
Protegida e sem lembrança
De sua antiga família.

Mal sabia o que passava
Naquelas noites terríveis
Em que os homens da bala
Disseram: “não vivereis!”

Correu até um posto,
Coisas que a vida ensina,
Esperando ter um gole,
Um gosto, droga divina.

Depois se recolheu
Ao seu canto escurinho
Junto dos braços daquele
Em que chorava carinho.

Este, outra criança,
Sem paz, pai ou esperança,
Sem vida, sentida ardência
De uma vida que só cansa.

Este, um menino,
Envolvido com outros meninos,
Todos ladinos, nem todos malinos,
Todos malandros, todos sem pódio,
Que ofereciam à pobre menina
A sua dose de tédio e ódio.

Oh, pobre menininha,
Foi na noite, submissa,
Que sentiu o estampido,
Que perfurou o seu tecido,
Que tornou-a uma carniça.

Sua culpa, menininha,
Foi ser triste e tão sozinha
Não ter tido outra saída
senão morrer em vida.

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