segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Do homem de poema

É uma coisa estranha o amargo na boca
Na noite insone em que o fim se anuncia,
Mais um dia passa; e, se a vida esvazia,
É uma coisa estranha o gritar da voz mouca.

Sorrir tristemente um sorriso já besta,
E dizer um basta ao tempo anguloso,
Sorriso dos parvos é um livro guloso
Comendo a história, os homens em festa;

Mas apesar disto, das eras mesquinhas,
Da dor nas esquinas, da hora vadia,
Da guerra, da fome, da má valentia,
Dos homens que matam e violam em rinhas,

Apesar da tristeza e da falsa esperança,
Da solidão própria aos homens de poemas;
Da televisão, dos romances, cinemas,
Que contam paixões que não deixam lembrança;

Apesar de tudo, do século-guerra,
crianças famélicas nos rincões do mundo,
Das pobres angélicas, do sofrer profundo,
Apesar da loucura, da saudade fera,

É coisa estranha o amargo que deixa
A vida escoada dos mais lindos picos,
Descendo e tecendo riachos bem ricos,
Um amargo adoçado, um beijo  de queixa;


Mesmo que sejamos feitos pra partir,
Mesmo que sejamos de barro e ardil,
Mesmo com as rugas, com as figas, com o frio,
Mesmo que não haja o imortal elixir,

Mesmo tormentoso, traído, queixoso,
Há sempre o momento em que a luz aparece,
Sempre um ensolarado sorriso que aquece,
Sempre uma Diana, uma vista, um gozo,

Então, faço a prece ao meu deus que não existe,
E o crio tão lindo a cada rezar,
E digo aos homens do mundo o altar
É a vida da gente, beleza agreste,

Digo que apesar da tristeza terrena,
Viver é bonito ao homem de poema.

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