Conheci-o por intermédio de Tolstoi. Era madrugada, daquelas frias,
assim costumavam ser nossos encontros. Lembro-me de fragmentos.
Intactos. Eu torcia pelo amor doce da moça. O mais puro amor, o amor
sublime, o amor longínquo, o amor juvenil, o amor leve, o amor
esperançoso, o amor-amor.
Desprezei-o desde o início, tal como desprezo os que como ele são:
a altivez, o sentimento de superioridade, a desonestidade, o
desrespeito. Talvez não fizesse por mal, talvez fosse até
verdadeira a falsidade que jorrava de seus lábios. Lágrimas de uma
fonte seca. Porém, a afronta ao doce amor da meiga menina pelo homem
imperfeito, o destoar, a quebra do disco, me incomodou. Suava frio,
teimava só, discutia comigo, brigava, batia, queimava... Tentava
desfazer o que já estava feito: já havia conquistado a moça com
sua lábia vazia e enganadora. Lamentei. Só.
Qual foi meu desprazer ao encontrá-lo pela
segunda vez tempos depois? Era domingo. Ignoro as circunstâncias, se
estava quente, frio, fazia sol ou chuva pouco importa. Eu estava em
névoas. Meu corpo destroçado, um empilhar de ossos que meus
músculos não mais sustentavam, encarquilhou-se. Minha visão
turvou, meu coração gélido teimando em bater – eu torcia para
que ele parasse. Não lhe bastava a doce menina, a ele interessavam
todas elas: calhou dele gostar do mel de uruçu. Seu rosto só me
apareceu depois: o sorriso ignominioso, de deboche prévio, aquela
alegria por gerar tristeza. Não serei tão rígido: aposto que
estava convencido de que aquilo não fazia mal a ninguém. Sua
ignorância o impedia de perceber que suas ações afetavam outras
pessoas, que suas torpezas poderiam resultar malefícios. Iludiu-a.
Tormentou-me. Sempre estarei em tormentas. A confiança se esvai num
tocar de lábios, os lábios sujos de um sorriso vil.
Tropeguei. Não superei. Não superarei. Para ele, os custos foram
poucos: um sorriso, frases, clichês. Para nós, a esperança
confidencial.
Não o vi uma terceira vez. Nem preciso. Seu
retrato está talhado em meu pedregoso coração.
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