quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Paixão




Paixão?... Por que me pergunta isso logo agora?... Não vê que estou indo trabalhar?... Não, não faça essa boquinha! Tá bom, paixão é ver essa tua boquinha e querer te tascar um beijo! Não, não é só isso. Paixão é eu estar perdendo o meu horário de trabalho por você! Claro, querida, claro que sou apaixonado por você. Só não sou bom para te dizer em palavras. Paixão é ver essa sua coxa seminua, envolta por este lençol azul da Zêlo, que compramos em 4x no cartão, essa sua coxa imperfeita, azulada pelas pequeninas estrias que a gravidez te causou, e mesmo assim te desejar. Paixão é lembrar do teu aconchego de mãe me ninando, tuas mãos nos meus cabelos, teus seios roçando de leve meu ombro, enquanto sussurava os probleminhas do nosso dia. Nosso filho brigou na escola ao defender um outro menino que era zoado pelos valentões. Nossa filha Andréia, corajosa como seu nome, mentiu para nós e foi dormir na casa do namorado. Como tive orgulho dela, enquanto você reprendia a minha frouxidão de homem. Bem sabe que você sempre foi mais forte do que eu. Talvez tenha sido por isso que me apaixonei. Paixão é admirar a força de uma mulher. Não, meu amor, não acho que seja raro uma mulher ter força! Não é isso! Até nisso me apaixono por você. Até quando me repreende! Sempre achei muito engraçada essa sua dificuldade em aceitar elogios. Você é uma mulher forte! Sei bem admirar isso, pois sempre achei rídicula a postura dos homens em querer ter uma mulher submissa, em manter a mulher submissa, em recusar a emancipação feminina! Mesmo quando fazemos amor, meu amor, nunca te quis submissa. Mesmo quando nos viramos e reviramos e remexemos te quero livre. E isto é paixão! Paixão também é ver você penteando seus cabelos, minha capituzinha, me olhando com estes seus olhos vivos e brilhantes, de mulher sedutora, de mulher que não cansa de seduzir, ah mulher... Me deixa te dar um beijo? Venha cá... Não fuja,querida... Não estou com tempo para os seus joguinhos... Paixão é este meu sorriso desconcertado ao ver você se esconder atrás da cortina do nosso quarto e só deixar a sua testa e seus olhinhos para fora. Você me lembra Teresa, sabia? Sim, aquela do poema do Manuel Bandeira. Meu bem, você bem sabe, eu não creio em deus, por que me pergunta? Preciso de algum motivo para viver? Você é o meu motivo! Os nossos filhos, o Caio, a Andréia... E se... Quando tudo se acabar? Quando tudo se acabar eu já não serei nada! Nem terei motivos para viver! Por que me preocuparia com isso? Que bobagem, menina! Vocês nunca me abandonariam e eu morrerei antes que vocês. Já sou velho. Sim, meu bem, claro que a paixão é mais forte quando se é jovem. Inclusive te peço desculpas por isso, amor, leminski estava certo: os dentes afiados da vida preferem a carne na mais tenra infância. A salmoura do dia a dia nos corrói. Por isso não culpo nossa filhinha! Devemos nos apaixonar quando ainda somos jovens!Por isso, quando o seu namoradinho e ela terminarem, estarei ao seu lado, abraçarei-a e direi para ela aproveitar em muito o momento. Afinal, querida, há quanto tempo não choramos por amor? Não me faça essa cara de desentendida! O quê? Quando chega a noite, chora pensando em nós? Por que? Eu sou apaixonado por você! Tenho a mesma paixão que... hum.... Florentina Ariza! Ou Juvenal Urbino? Não me lembro bem! Não me lembro com qual deles me simpatizei mais, por qual deles chorei mais lendo aquele livro. Lembra quando nós o lemos? Você dizia que era o melhor livro que já tinha lido na sua vida! Eu ainda acho que é! Nunca acreditei quando me disse que, na realidade, o meu livrinho de poemas, aquelezinho que você editou e me deu de presente no meu aniversário, dizendo que era de dia dos namorados também, era o melhor livro que já lera. Mas peguei nas suas mãos e toquei meus lábios nos seus como se aquele momento fosse o meu maior poema! E você, saída de minha boca, minha maior recitação. Sempre insisti que se eu sou poeta, você era poesia. Como adorava o seu esbravejar de menina resmungona dizendo que ser poesia era uma posição passiva, sentimental, às vezes até heróica demais... Você queria mesmo era ser romance beat! Fui eu que te apresentei Ginsberg e Kerouac, lembra? Quis te pegar pelas mãos e te levar pelo mundo! Isso é paixão, queridinha. Paixão é observar você colocando essas suas botas de couro que eu fiz naquela época em que me recusava a comprar qualquer objeto em lojas magazine, pois achava que elas se alimentavam de mão-de-obra escrava. Na verdade, ainda acho! Mas, bem, sabe... O tempo faz e desfaz coisas, muda pessoas, entorpece um pouquinho... Ver você colocando essas botas me lembram da noite em que fomos assaltados juntos na orla da praia do guarujá, lembra? Olharam nossas botas e quase ficaram com pena de nós de tão horríveis que elas eram! Ainda bem que melhorei e caprichei nessa que você está coloc.... Por que você está a guardando na caixa? Queria usá-la uma última vez? O seu perfume está diferente! Não é aquele Natura que eu te dei no natal passado. Como lembro disso? Ué, paixão é lembrar todas as suas minúcias e admirá-la por isso. Paixão é como a relação de Simone de Beauvoir, aquela tão toda toda que você adora! Mas muito se engana se é do amor dela com Sartre que falo. Paixão, querida, é o que Nelson Algren por ela sentia. Ela dizia que o amor lhe dava medo, tornava-a burra. Queria que se um dia a relação de ambos, de Nelson e ela, se acabasse, eles pudessem ser amigos. Ele em um ato apaixonado respondeu que jamais poderia entregar-lhe menos do que o seu amor. Ele nunca perdoou Simone de Beauvoir. Morreu um dia após se irritar numa entrevista quando um repórter lhe perguntou sobre ela. Lembra quando conversamos disso? Eu entendia-o. Você, não. A paixão é o preâmbulo do amor. O amor e a paixão, diferentemente do que muitos dizem, não são distintos em grau. Eu te amo e sou apaixonado por você. Sim, não da mesma forma que antes, pois me acostumei com os seus jeitinhos e apesares. Mas, coração, a paixão é a admiração completa, é ver tuas qualidades e defeitos, enxergando neles, principalmente nos seus defeitos – veja só!- o éden. Sorrio, sim, mas porque sempre que penso nisso, quero ser tua serpente. O amor é a mais radical maneira de ir ao outro, é a duração desconhecida. Aliás, ela deve ter a mesma duração deste tempo em que está olhando nosso retrato juntos, quando estávamos naquela prainha de Ubatuba. Você está linda nesse biquini marron. E eu estou feliz. Mas ambos sabemos que não é raro eu estar assim ao teu lado. Paixão é ver você colocando as coisas no carro e pensar no tempo em que viajávamos juntos para lá e para cá, ouvindo música, você às vezes reclinando sobre os meus ombros, lembra-se que não conseguia encaixar o cd player do meu carro? Era um barato! Me divertia. Paixão é ver você se distanciando e deixando nossa casa vazia. Até nossos filhos levou. Até meu coração. Paixão, percebo agora, é você me perguntar “o que é paixão”? e eu me lembrar que por você sou apaixonado somente ao te responder esta pergunta.

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