sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Anatol

 Conheci-o por intermédio de Tolstoi. Era madrugada, daquelas frias, assim costumavam ser nossos encontros. Lembro-me de fragmentos. Intactos. Eu torcia pelo amor doce da moça. O mais puro amor, o amor sublime, o amor longínquo, o amor juvenil, o amor leve, o amor esperançoso, o amor-amor.
Desprezei-o desde o início, tal como desprezo os que como ele são: a altivez, o sentimento de superioridade, a desonestidade, o desrespeito. Talvez não fizesse por mal, talvez fosse até verdadeira a falsidade que jorrava de seus lábios. Lágrimas de uma fonte seca. Porém, a afronta ao doce amor da meiga menina pelo homem imperfeito, o destoar, a quebra do disco, me incomodou. Suava frio, teimava só, discutia comigo, brigava, batia, queimava... Tentava desfazer o que já estava feito: já havia conquistado a moça com sua lábia vazia e enganadora. Lamentei. Só.
Qual foi meu desprazer ao encontrá-lo pela segunda vez tempos depois? Era domingo. Ignoro as circunstâncias, se estava quente, frio, fazia sol ou chuva pouco importa. Eu estava em névoas. Meu corpo destroçado, um empilhar de ossos que meus músculos não mais sustentavam, encarquilhou-se. Minha visão turvou, meu coração gélido teimando em bater – eu torcia para que ele parasse. Não lhe bastava a doce menina, a ele interessavam todas elas: calhou dele gostar do mel de uruçu. Seu rosto só me apareceu depois: o sorriso ignominioso, de deboche prévio, aquela alegria por gerar tristeza. Não serei tão rígido: aposto que estava convencido de que aquilo não fazia mal a ninguém. Sua ignorância o impedia de perceber que suas ações afetavam outras pessoas, que suas torpezas poderiam resultar malefícios. Iludiu-a. Tormentou-me. Sempre estarei em tormentas. A confiança se esvai num tocar de lábios, os lábios sujos de um sorriso vil.
Tropeguei. Não superei. Não superarei. Para ele, os custos foram poucos: um sorriso, frases, clichês. Para nós, a esperança confidencial.

Não o vi uma terceira vez. Nem preciso. Seu retrato está talhado em meu pedregoso coração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário